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O violino na metrópole

 

Lançado pelo selo ÁguaForte, especializado em projetos especiais, o disco reúne composições inéditas para violino solo, muitas delas especialmente escritas para a ocasião. Com arte esmerada, a publicação conta também com textos sobre as obras e sobre os compositores. 

 

SOBRE O CD

 

“O violino na metrópole” é fruto do intenso trabalho da violinista italiana Simona Cavuoto, artista de sólida técnica e versátil musicalidade, que tem se dedicado com perseverança aos caminhos e técnicas da música erudita produzida hoje. Das oito peças presentes, seis foram escritas especialmente para o projeto e todas foram trabalhadas junto aos compositores, fomentando um ambiente que reaproxima intérprete e compositor.

A partir do arco histórico da tradição do violino, as peças buscam um diálogo com a sociedade urbana contemporânea, com suas peculiaridades e idiossincrasias. Nesse desafio, ora resvalam nas origens do instrumento, ora almejam novas sonoridades, formas e relações harmônicas, onde o instrumento cujo timbre nos é tão familiar ganha espaço novo e inusitado em nossa percepção musical. De um lado a metrópole como símbolo da sociedade no século XXI e, de outro, o violino em sua memória de mais de quatro séculos de história revelam-se nos diversos gestos, afetos e cores alcançados nas composições aqui reunidas.

À luz da vigorosa produção da música brasileira do séc. XXI para o violino, o projeto propõe um recorte singular em um repertório fruto de um elaborado e cuidadoso trato da linguagem musical.

Este projeto contou com o apoio do Programa de Ação Cultural (ProAC) da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Produção: ÁGUAFORTE Edições

CD de Simona Cavuoto, realizado com apoio do Programa de Ação Cultural (PROAC) 2011 

Ficha Técnica

 

 

Concepção: Marcus Siqueira e Simona Cavuoto

Produção Musical: Thiago Cury e Marcus Siqueira

 

Gravação: Carlos (KK) Akamine

Assistente: Silvio Romualdo

Coordenação de Estúdio: Shen Riberio

 

Mixagem: Homero Lotito (Estúdio Trilha Certa)

Masterização: Homero Lotito (Reference Studio)

 

Gravado no estúdio Cachuera nos intrumentos J. B. Vuillaume de 1845 e David Baghé i Soler de 1997" (faixa 18)

 

Design Gráfico: Paulo Vidal de Castro e Thais Vilanova

            "Arte": Julio Kohl

Marcus Siqueira

3 Capricci Urbani (2011)                 11’ 35’’

                         I                                             5’30’’

                        II                                             3’14’’

                       III                                             2’51’’

 

Marcus Alessi Bittencourt

Um Móbile (2001)                              12’23’’

Ciclo de 10 pequenas peças para violino solo

                        I         - Estandarte               1'52"

                        II       - Telegrama nº 1        0'23"

                        III      - Arboreto                    1'38"

                        IV      - Losango Cáqui         1'22"

                        V       - Telegrama nº 2        0'22"

                        VI      - Primeiro Espelho     1'28"

                        VII     - Segundo Espelho     0'48"

                        VIII    - Trezentos e Cinquenta  0'55"

                        IX      - Figura Alada                     2'06"

                        X       - Espelho Último                1'29"

 

Willy Corrêa de Oliveira

Arya per Yara (2011)                              4’42"

 

 

Maurício De Bonis

Paulistinha (imaginária) (2011)             6’33’’

                     I                                                2’41’’

                     II                                               3’52’’

 

Rodrigo Lima 

Recitare (2011)                                          8’50’’

 

Willy Corrêa de Oliveira

¡Oh, este viejo y roto violín! (2011)        5’06’’

 

 

Marcus Siqueira

Quase Barrocas (2004-11)                       8’00’’

                      Linhas de Eisenach               1’52’’

                      Pirano                                      1’43’’

                      Venezia                                    1’49’’

                      Memórias                                2’36’’

 

Willy Corrêa de Oliveira

Allgemeine Periodik (2009)                       7’51’’

 

SOBRE AS OBRAS

 


 

 

3 Capricci Urbani

Trata-se de uma obra aberta que almeja retratar dois universos sonoros distintos: de um lado o espectro sonoro do violino advindo dos séculos XVII ao XIX e de outro, intentamos uma nova profusão de sons, articulações e texturas advindas da estrutura física natural do instrumento. A escolha do nome “Capricci” é inspirado diretamente de Paganini, porém, buscamos aqui um conceito de virtuosidade que esbarra em critérios como clareza, precisão técnica e principalmente a materialização de novas estratégias motoras que o violinista desenvolverá de modo a obter sons dúbios e complexos. A palavra “urbano” se relaciona com a poética da cidade grande que, de tão devastada em sua dimensão geológica natural, estabeleceu novos paradigmas sobre o lírico e o belo. Desta forma, intentamos aqui extrair timbres que aparentemente seriam débeis ou inadequados para um discurso musical tradicional.

 

 

Um Mobile

Em dez vinhetas, duas semanas da intimidade de uma pessoa solitária, senhor único de uma nação deserta, declamadas por um instrumento solitário: algumas leituras de Mário de Andrade, mensagens crípticas lançadas flutuantes ao mar proverbial, um passeio ao parque e três tentativas malfadadas de autorretrato em meio a um vulto angelical. Como mote, Maiakovski:

 

Eu levantei como um halterofilista,

carreguei como um acrobata.

Após, gritei:

"Aqui está! Aqui! É seu!"

As donzelas esconderam-se de mim

como foguetes:

"Preferimos algo um pouco menor;

talvez melhor fosse dançar um tango..."

Não tenho condições de carregar tal fardo - mas carrego.

Eu gostaria de atirá-lo longe - mas eu sei

que eu não devo atirá-lo longe!

As réguas de minhas costelas não aguentarão o tranco.

A gaiola de meu peito estala com tamanha pressão.

 

Vladimir Maiakovski (1893-1930)

 

 

Arya per Yara

Escutava a Sheherazade de Rimski e uma ideia ocupou-me, fixa: vislumbrava um movimento claro desde o agudo do violino baixando gradativamente até ao grave: um longo arpejo florido. De cada nota do arpejo florescendo uma “fioritura” ou um buquê ou um arranjo de flores. A cada novo regresso do arpejo as flores murcham, pétalas caem mais e mais, até que sobre apenas o ramo nu. Que essa ideia fosse compreendida como um estalo. Na realidade, a peça está apresentada no CD em outra ordem, embaralhada: à terceira  aparição corresponde a ideia do arpejo totalmente florido; a primeira e a segunda das enunciações do arpejo apresentam diferentes etapas da perda de “fiorituri”. A última das enunciações do arpejo exibe-o como um galho que perdeu suas flores (fiorituri) , tanto aqui no CD como desde a ideia inicial.

 

 

Paulistinha

Paulistinhas são pequenas imagens em barro ou madeira, produzidas por santeiros populares a partir de modelos portugueses – típicas da imaginária sacra paulista nos séculos XVIII e XIX. Imaginei uma Paulistinha em que o violino contasse do trabalho de esculpir. Num primeiro estágio, a peça de abertura (a madeira bruta sendo ferida pelos instrumentos), em que aos poucos se delineia a imagem almejada. Em um segundo estágio, o segundo movimento, em que a imagem se faz clara, polida, pintada. Para figurar minha escultura, utilizei como modelo um antigo canto de igreja registrado por Mário de Andrade, originário de um canto português (em minha “figura” o canto se transfigura na imagem que imaginei).

 

 

Recitare

Dois acordes, um quase “rasgueado” de violão, golpes de arco, linhas e uma voz quase muda, são alguns dos materiais que compõem a narrativa de Recitare. Não temos aqui a palavra como personagem tão expressivo e típico dos recitativos do período Barroco, mas é o próprio som emoldurado de diferentes maneiras que assume o papel principal, guiando essa espécie de declamação sonora. Para tanto, ao intérprete se exige grande flexibilidade, pois a música ao desenrolar do tempo sofre mudanças contínuas de momentos de extrema vida rítmica, sonoridades mais ásperas e outros momentos mais estáticos onde a voz em boca chiusa revela sempre um território mais sutil e lírico. Recitare é especialmente dedicada à violinista Simona Cavuoto, que me presenteou neste trabalho com sua dedicada e envolvente interpretação.

 

 

¡Oh! este viejo y roto violín!

Recopio, aqui, o poema “Con el violín roto” de León Felipe, como introdução para a minha peça. Queria que o violino dissesse coisas alteradas, distintas, sim, poderia rumorejar, grunhir, que esbravejasse, mas, desta feita não cantasse, outrossim:

 

Con el violín roto

 

¡QUÉ MAL suena este violín!

León Felipe, vas a tener que comprarte otro violín...

— ¡A buena hora ...! ¡A los 80 años!

¡No vale la pena!

Con este mismo violín roto

voy a tocar para mí mismo

dentro de unos días «Las golondrinas»,

esa canción ¡tan bonita!

que los mexicanos cantan siempre

a los que se van de viaje.

¿Cómo empieza?

¡Adiós...! ¡Adiós...!

Cagh, Cagh..., ¡qué ronco estoy!

En verdad que suena muy mal este violín...

Pero con él tengo que tocar todavía

unas cuantas canciones

que se me olvidaron en mis Obras completas.

No quiero que se queden perdidas

en el barullo de mis papeles inútiles.

 

 

Quase Barrocas

Trata-se de uma obra metalinguística que tem como base três importantes compositores do Período Barroco: Bach, Tartini e Vivaldi. Esta obra busca estabelecer um discurso  musical que dialoga às vezes direta e indiretamente com o gesto e afeto destes compositores. “Linhas de Eisenach”, intentam um discurso polifônico que nasce de uma linha (melodia); aqui encontramos fragmentos de um tratamento bachiano. “Pirano”, está voltada diretamente a Tartini; todo seu lirismo esbarra em um conceito violinístico peculiar em seu tempo. “Venezia”, retrata a dimensão lírico-textural de Vivaldi; uma profusão intensa de gestos e afetos. Em “Memórias” encontramos fragmentos das três peças anteriores e outras memórias de gestos violinísticos presentes nos períodos que sucederam ao Barroco até o Séc. XX. Tudo muito “escondido” aos ouvintes mais preparados.

 

 

Allgemeine Periodik

Quando meu pai morreu, anos passados: escrevi um pequeno Tombeau para ele, utilizando como material básico, (não mármores preciosíssimos), mas a canção, simples, que ele tanto cantava: Nature Boy!

Movido pela morte de Pousseur, há pouco, tornei àquela canção. Agora, como uma espécie de REFRÃO que acomoda vozes vindas através dos ventos mais distantes: coplas que entoam por sua partida. O REFRÃO, desde sua primeira aparição (quase abstrata), distante, vai aos poucos – em suas voltas – chegando cada vez mais próximo da canção, no final. Utilizei o violino porque devia uma peça para a Simona Cavuoto e porque o violino mais canta – quanto mais esteja só.

 “Embaraçoso aproximar-se da citação de Mozart, assim, fora do contexto”, disse-me uma amiga, e eu respondi-lhe: incrustrado no Concerto K 216, tampouco me parece que esteja a salvo no “contexto”. Aliás, nesta minha peça, as vozes que se sucedem, tendem a ampará-las, apenas, o que elas queriam dizer ao Pousseur, tudo iluminado por Mozart – mestre valoroso de dialética – ele (por seu turno) ,mestre de Pousseur, e Pousseur, meu mestre mais direto. Se não calhar, pode ser que não tenha bem compreendido a dialética ... ainda mais: na música.

O título da peça é o mesmo do curso inesquecível que Pousseur ministrou em Darmstadt, em 1962.

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